Somos impactados por uma enxurrada de informações todos os dias. As tecnologias trouxeram um volume de informações além do que nosso cérebro é capaz de lidar. Além disso, a alta carga de estresse do trabalho e dos afazeres diários parecem nos deixar no limite da nossa capacidade mental. É muita coisa para pensar e para fazer, então para tentar evitar a sobrecarga do sistema, nosso corpo acaba ligando o tal modo “piloto automático”, o que não é nada saudável. Mas como se libertar deste ciclo?
Uma importante técnica que vem sendo estudada e aplicada é o Mindfulness, ou, em bom português, o estado de atenção plena. Trata-se do exercício constante em querer vivenciar o momento presente com mais foco e consciência. E Marcelo Demarzo é o pioneiro nesta técnica no Brasil.
Médico formado pela USP e pós-doutorado em Mindfulness e Saúde pela Universidad de Zaragoza, na Espanha, Demarzo ainda é professor, pesquisador e vice-coordenador de programas de pós-graduação em saúde coletiva da Escola Paulista de Medicina, e membro honorário do Advisory Board Committee do ACCESS MBCT da University of Oxford.
Com vários livros publicados abordando os temas de Mindfulness, bem-estar e saúde, o médico costuma dizer que esta prática é um treinamento do músculo da atenção, que coloca o foco no que estamos fazendo e vivendo no momento, já que normalmente estamos lembrando de fatos passados ou nos preocupando com o futuro.
As raízes do Mindfulness estão nas práticas e filosofias orientais, como o budismo tibetano e o zen, e uma das primeiras aplicações da técnica como terapia clínica no ocidente foi feita na década de 1970 por Jon Kabat-Zinn, em Massachusetts, EUA. Desde então, seus benefícios têm sido estudados cientificamente em diversas situações, incluindo pessoas diagnosticadas com câncer, depressão, ansiedade, cardiopatas, e também em indivíduos saudáveis, mas com alto grau de estresse em suas rotinas.
Como qualquer mudança de hábito, praticar o Mindfulness requer disciplina. É preciso deixar um espaço na agenda para este processo que traz benefícios diretos e em um curto espaço de tempo: melhoras já podem ser percebidas a partir da segunda sessão.
Cuidar da mente é beneficiar o corpo como um todo e treinar o estado de atenção é uma ferramenta poderosa na busca de uma vida mais plena. É essa a mensagem central que Marcelo Demarzo compartilha nesta entrevista repleta de dicas e insights para quem não vê a hora de sair do piloto automático e viver uma vida mais feliz, mesmo em tempos tão acelerados.
Você é médico especialista e autor de vários livros sobre Mindfulness. De forma simplificada, o que significa?
Mindfulness, traduzido no Brasil como atenção plena, é um termo que pode designar um estado mental, um conjunto de técnicas ou exercícios mentais (Meditação Mindfulness), programas estruturados de treinamento baseados em Mindfulness, ou ainda um conceito psicológico. Trata-se de um dos estados naturais da mente, acessível a qualquer indivíduo, que consiste no exercício de querer vivenciar o momento presente com mais foco e consciência, intencionalmente, em uma atitude de maior “aceitação” e menos “pré-julgamentos.”
Quais são os principais benefícios da prática?
As práticas regulares têm impacto em todos os aspectos da promoção da saúde:
• Fortalecem habilidades sociais e emocionais, levando a relações interpessoais mais satisfatórias;
• Promovem emoções positivas e melhor manejo das emoções negativas;
• Diminuem a sensação de desconexão e isolamento social (solidão);
• Facilitam a conexão com o propósito de vida;
• Promovem maior resiliência emocional;
• Fortalecem a saúde em geral e o sistema imunológico.
Mindfulness também é eficaz no tratamento auxiliar de ansiedade e depressão, sintomas de “burnout” (síndrome do esgotamento profissional), dor crônica, dependência de álcool, tabaco e outras drogas, quadros orgânicos de hipertensão, diabetes, doenças autoimunes e inflamatórias, obesidade e sobrepeso e transtornos mentais em geral.
Como o Mindfulness atua para ajudar a combater o estresse e a ansiedade?
Através das técnicas e práticas de Mindfulness passamos a olhar a realidade como ela se apresenta, sem julgá-la ou reagir a ela no piloto automático, permitindo uma resposta mais efetiva e menos reativa ou impulsiva aos fatores de estresse do dia a dia. Mindfulness não irá impedir o estresse ou a ansiedade, mas sim transformar completamente o modo como nos afetamos por eles, trazendo ferramentas para lidarmos com os fatores estressantes, com autocuidado e autoeficácia.
De que maneira as práticas de Mindfulness auxiliam no desenvolvimento humano?
Quando praticamos com regularidade, iniciamos um processo de autoconhecimento e aceitação. Passamos a ser mais gentis conosco e, consequentemente, com as pessoas que nos cercam. Adquirimos o que chamo de “olhar curioso”, isto é, a habilidade de enxergar coisas mundanas como se fosse pela primeira vez, da mesma forma que fazem as crianças, e assim estamos abertos para a novidade e a transformação. Nos conectamos com o nosso propósito de vida, o que nos impulsiona a estar sempre em desenvolvimento e evolução pessoal.
Há recomendações sobre o melhor momento do dia e ambiente ideal para a prática?
Cada indivíduo terá o seu momento e ambiente ideais, pois funcionamos de forma diferente uns dos outros. O importante é que o praticante experimente momentos e ambientes diferentes, até encontrar aqueles mais apropriados para ele. Para quem está iniciando, eu costumo recomendar que encontre um local seguro, silencioso e confortável, de preferência em um horário em que não esteja vulnerável ao sono. Pode ser em casa, no trabalho, em um parque ou em contato com a natureza.
Como levar uma vida mais feliz e apreciativa, valorizando o bem-estar?
Para valorizar o bem-estar e a felicidade é importante ter autonomia no controle dos sentimentos e emoções, em especial as negativas e difíceis. Acredito que é um caminho a ser percorrido e ele passa pela capacidade de lidar com o excesso de (auto) crítica e culpa, que trazem uma série de consequências, como mal-estar psicológico, cansaço, falta de atenção e concentração, ruminação mental, irritabilidade e queda de desempenho pessoal e nas relações interpessoais.
Em um mundo onde somos estimulados o tempo todo com informações, quais os benefícios do JOMO (The Joy of Missing Out)?
Ao mesmo tempo que o cérebro precisa ser estimulado de maneira positiva ao longo da vida, para se desenvolver dinamicamente, ele também precisa de pausas para que esses estímulos e aprendizagens sejam consolidados. Buscar o equilíbrio é sempre a melhor opção. Não estar conectado o tempo inteiro e poder “se dar ao luxo” de não seguir todos esses estímulos é fundamental para a nossa saúde e o nosso desenvolvimento.
Como podemos viver com mais leveza e cuidando das nossas emoções em tempos acelerados?
Mindfulness nos ajuda a compreender a relevância de simplesmente parar por alguns minutos e respirar, viver o momento presente e não se ocupar com o passado ou o futuro. Nossa mente não para de funcionar nunca e em tempos tão acelerados isso se torna quase insuportável, mas é possível aprender a navegar os nossos pensamentos e emoções para viver com mais leveza e felicidade.
Para quem nunca praticou Mindfulness, como começar?
O ideal é que ingresse em um curso de oito semanas, onde irá aprender e vivenciar as técnicas e práticas de Mindfulness para integrá-las ao dia a dia, de forma regular e efetiva. Também há práticas 100% acessíveis para iniciantes disponíveis em diversos Centros, inclusive através de seus canais da internet. No Centro Mente Aberta da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), do qual sou coordenador, oferecemos gratuitamente à população uma prática guiada mensal e uma aula aberta de introdução ao Mindfulness, ambas online em tempos de pandemia, além de áudio guias e conteúdo relacionado em nossas redes sociais e canal de YouTube.